Mário Tendinha

Blog

13-10-2009 10:29

ROBOTEIRO

 

Deixo aqui, para além do belíssimo poema do Glória Dias, também a sua crítica ao "Ngola Mirrors":

"Obrigado pela exposição com seu ambiente de estaleiro luandino , e pela disposição da boa que nos fez segurar um sorrir de prazer, como seguramos estrelas e papagaios; também pela imposição do traço que nos faz matutar no assombro cru de cada instante que retrata. Não são caricaturas os personagens, nem caricatos os gestos. Aliás escorre um calor de sol e da catinga, os odores da terra, e a eterna luta das pessoas, também ali exposta como em cada esquina das nossas mutambas.
Achei o traço rápido, mas objetivo, diria até muito mais real que surreal, e nisto há um dizer demais, sem presunção. Não sou crítico de arte. Espero que acredite.
Surreal foi verificar que tudo se vendeu num instante, mesmo antes de acabarem os acepipes. Fantástico. Parabens.
Como num dos desenhos aparecia um roboteiro, apeteceu-me logo enviar-lhe o poeminha da minha lavra e do meu suor. Que pena que não se venda. Aí o mando, grátis.
Um gostoso abraço do
GD

Com seu cangulo
pesado de nadas
candandos e risos
brinquedo apenas
trepa estripado
o roboteiro
e vai subindo
assobiando alheio
à cuributisse
da sombra
da mandioqueira
que o apetece

Vai rindo e sonha

...é quianda quem o leva
no cangulo
ligeiro d’ imbambas
e de sombras
curibota de si
roboteiro de nadas
de candandos e risos
e de sonhos e de sombras

...a quianda o leva
de leve
brincando, e brinquedo


Barcelona, 17/07/06"

03-10-2009 21:38

Mukuroka Piriquito - Um Poema do Namibiano Ferreira

 

MUKUROKA PIRIQUITO

Cansado, talvez de trazer nos pés o vento dos dias

e o tempo das rotas esquecidas de muitas ondjiras do sul

Mukuroka Piriquito descansa no lar da fogueira acesa 

no Omauha com o sol de lembrar Tchitundu-Hulu e a espiar

olho no Mukuroka Piriquito ave de voar palmilhando

areias milhas e poeiras ventos e canseiras nas miragens da sede

do nosso Sul encharcado de amarelo a morrer luminoso

no afago abraço do sol derretendo welwitschias gazelas

e Tombwa que resiste no abraço velho das casuarinas heroínas

que se cansaram de lutar contra as areias que andam sob os pés

de Mukuroka Piriquito descansando à fogueira do Omauha

naquele dia que o Mário o viu e depois, talvez, o desenhou

como se fosse uma gravura perdida de Tchitundu-Hulu.

Sentado à fogueira do Omauha, Mukuroka Piriquito, descansa

do palmilhar dos dias sol fadiga de Namibe deixando-se cobrir

de gloriosa poeira ouro que vem, como renda preciosa e ouro sobre azul

levemente poisar sobre a nudez dos seus nonkakos a mostrar

sabedoria de quem sabe ler o sol e o brilho lúcido das estrelas do sul

sempre tão belas nas noites do deserto e os nonkakos de Mukuroka Piriquito

são luandos de cartografar mapas escritos e desenhados no céu sendeiro

sem tempo dos astrolábios presos como toninhas nos olhos vento

que se bebem nas margens sedentas do Kuroka do março da fartura.

 

 

Namibiano Ferreira (K.Lynn, 02/10/2009)

18-08-2009 15:08

SOB O SIGNO DO TCHITUNDO-HULO, um texto de Filipe Zau

SOB O SIGNO DO TCHITUNDO-HULO

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     Por: Filipe Zau

           

Quiseram circunstâncias de épocas passadas – tempos de há pouco mais de meio século – que, Mário Tendinha, descendente de uma família oriunda de portugueses algarvios e gente do norte de África, fixada, desde 1890, na actual cidade do Namibe, ali nascesse sob a bênção da fragrância da maresia atlântica e do vento leste, que sopra árido do deserto.

Desde cedo se deixou envolver pelas actividades piscatórias e pelo modus vivendi das populações pastoris da região. Após ter completado 18 anos de idade, começou a desenhar e a deixar-se aquecer pelo sol das gravuras rupestres do Morro Sagrado do Tchitundo-Hulo, lá, em Capolopopo, onde existem pastores kuvale, cujas mulheres, com os seus turbantes de pele de carneiro, promovem a arquitectura dos oganda.

A arte de Mário Tendinha é influenciada por um paradigma de sensibilidade, que submete a racionalidade figurativa à razão das emoções, dando, assim, lugar à imaginação, que, como um guelengue em disparada pelas areias do deserto, se expressa, no caso presente, em desenhos a tinta da china sobre papel branco.

Em “Ngolamirrors” os impulsos do seu subconsciente são ideograficamente representados sob a influência de obras de grandes mestres surrealistas, que lhe vão servindo de suporte: Picasso, Dali, Miró, Ernst, Klee…

Do alto do andaime, propositadamente, montado para instalação, (nosso privilegiado observatório social), o verso plácido do contexto do deserto em total dicotomia com o quotidiano luandense em efervescência.

Mário Tendinha é, sem dúvida, um observador atento, que nos permite mergulhar na leitura da sina de uma Angola em acelerada transformação, onde, face a um contexto surrealista, só as roupas penduradas no estendal parecem atentas ao curso dos acontecimentos reflectidos nos espelhos, sob a forma de humor, crítica ou satisfação.

 

                        Luanda, 29 de Junho de 2009

 

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